Demorar


Assim só. Simples assim.
Não te demores.
Se chegaste por engano, volta ao teu caminho. Se foste porque achavas que havia mais, aceita e integra. Senta-te lá um pouco até essa dor passar. Mas não, não te demores.

Sentes o teu coração? O que ele te pede?
Então vai. Procura. Corre. Inventa caminhos.
Cada dia que te demoras onde não podes amar, é um dia a menos onde podes.
É melhor seguir a caminhar, ainda sem saber para onde, do que ficar onde não faz sentido. Onde não sentes. Onde não te sentem.
A estrada encarregar-se-á de te dar pistas, o percurso é ele próprio um alimento do amor em ti, de preparação para partilha disso que te habita.


"Onde não puderes amar, não te demores."

Libertar

Há coisas que são tão importantes para nós, que as mantemos prisioneiras. Amores, amigos, memórias, fotografias, textos, roupas, símbolos, lugares. E prendemo-los com tanta força, que nem percebemos que os prisioneiros somos nós mesmos: não é aquilo que está preso a nós, somos nós que estamos presos àquilo, o que quer que seja.
É, ainda, a aprendizagem do desapego. De saber guardar o essencial no lugar certo, não a carregá-lo à toa para todo o lado. Sempre esse aprender a ser inteiro, a ter o coração em paz, as mãos vazias, a mente limpa.

Liberta.
Respira fundo.
Liberta.
Guarda as coisas boas. Guarda só o que foi bom. Mas guarda.
Não podes carregar tudo contigo. É pesado. Não cabe na tua mala. Leva contigo só o necessário para hoje, para amanhã talvez.
Não é preciso deitar fora, não é preciso esquecer, não é preciso abandonar. É preciso guardar. Guardar bem, para lembrar de vez em quando, com um sorriso leve e sereno. Mas guardar.

No calor do Verão não levas contigo um casaco quente, pois não? Se saíres de casa com o sol a brilhar num céu imaculadamente azul, vais levar guarda-chuva?
O casaco e o guarda-chuva continuam a ser teus, mas estão guardados. Tu sabes onde estão e ter-lhes-ás sempre acesso, mas estão guardados.
Então, guarda isso que te pesa a atravessar os dias. Guarda. Sabes que ninguém to irá roubar. 

Se estiveres carregado de coisas, como segurarás uma flor que te ofereçam? Como caminharás pela rua sem te cansares? Como conseguirás abraçar um amigo que encontres?
É preciso seguires leve, para que a vida te possa encher. É preciso criar espaço. E para isso, tens que guardar. Libertar.

Liberta.
Sê livre.

Arriscar

Arriscar é um pouco assustador.
Não arriscar é ainda mais.

Dar um passo em frente sem saber o que há depois da curva pode ser verdadeiramente aterrador. Mas, às vezes, a vida pede-nos que sigamos sem garantias de chão para pousar os pés no passo seguinte. E não adianta consultar mapas, pedir orientações. Não há certezas. Ninguém te poderá responder acerca do rumo da estrada, nem avisar para te desviares dos buracos. 
Tens que seguir, com cautela sim, mesmo um pequeno pânico a doer na barriga, mas os olhos abertos de atenção, focados de vontade. 

O que ressoa no teu coração?
O que te faz vibrar de entusiasmo enquanto sustens o ar no peito?
Escutar estas questões dentro de nós é a mais feliz das audácias; responder-lhes é o maior desafio que a vida nos põe; seguir a verdade das respostas é aceitar a vida enquanto aventura de ser.

E quando entramos nessa aventura pelas razões certas, nada pode correr mal. Nada. Tudo é construção e caminho. Cada coisa tem o seu espaço e é degrau mais próximo da meta, sem deixar de ser lugar que vale já em si mesmo. Até o medo é para lembrar a responsabilidade dos sonhadores, a beleza das conquistas.
Viver uma aventura é mais do que praticar desportos radicais, e menos também. É diferente.
É viver o perigo, não pela adrenalina, mas pelas tuas mãos maiores, pelo horizonte mais distante, o caminho mais largo e seguro. É aceitar cair e arranhar o joelho, é admitir erros e inseguranças, é querer aprender melhor dessas quedas e desses erros e integrá-los com orgulho no teu crescimento, no teu caminho.
Se é esta a tua aventura, o que te detém?

O que te faz arriscar?
É o amor?
É a paz?
É o sonho?

Ahhhh! Então, de que estás à espera?
Avança!

O luxo da saudade

Cerca de 5.000... É o número de quilómetros entre o aqui e o chão que me segurou durante quase dois anos e meio.
Esse pedaço de mundo hoje não está perto, mas está dentro. Está aqui dentro a doer e a incomodar, a acordar-me durante a noite e a distrair-me a meio do dia. Está aqui dentro a lembrar a simplicidade e a entrega, o cansaço inteiro de paz, a luz e as cores, a confiança, o entusiasmo, a leveza. 
E fica o meu coração cheio desse longe tão intenso, desses dias tão cheios de tempo e vida.

A saudade é isso mesmo: um longe que está dentro, um dentro que está longe

A saudade é um luxo. 
Seja um longe no mapa ou no calendário, poder guardá-lo connosco não tem preço, e se tivesse, seria um que ninguém poderia pagar.
A saudade é esse embrulho feio, esse papel rasgado, essa saca furada que guarda o tesouro mais bonito. A olhar assim de fora, é difícil, às vezes, acreditar que algo valioso brilhe naquele interior. Porque a dor nos distrai dessa beleza, porque queremos tanto que o longe esteja perto, que nos esquecemos que o temos dentro.
A saudade pesa-nos o coração das memórias, das pessoas, dos lugares, dos momentos, dos sentires... e nós nem sempre percebemos tudo o que ela guarda. Porque, na verdade, é a eternidade que grita nessa nostalgia.

Se alguém me perguntar hoje qual é a coisa mais preciosa que tenho, responderei, sem hesitar: as saudades.
As saudades que tenho da cor da terra, dos sons dos dias, dos momentos em que as frustrações eram ultrapassadas, das horas no corredor num tédio afinal tão divertido, dos djumbais no alpendre.
As saudades que sinto de falar mantenhas, de ver a Helena chegar de manhã, do Malaquias a caminhar devagar de olhos no chão, o Edu envergonhado e sempre sorridente.
As saudades das chuvas que bebi e das pessoas com quem as partilhei, das estrelas que vi caírem e das que nunca deixaram de iluminar.
As saudades delas nas noites de música dançada e nos dias das conversas intermináveis de sentidos.
E as saudades dele (meu Deus, tantas saudades dele...!). 

Que bom ter saudades! 
Que sorte viver o longe aqui dentro.
Que luxo...!


Ah, nha Guiné-Bissau...! N'disdjau maaaal!