Vidas

A vida é só uma, mas há tantas vidas. Tantas histórias, tantas relações, tantos percursos, tantas saudades, tantos amores, tantos sofrimentos, tantos caminhos.
A vida é só uma, mas nós somos muitos. Todos os que cabem no "nós". Mesmo muitos. E somos tantos, que nos esquecemos, por vezes, que a vida é só uma. A(s) nossa(s) vida(s) cruza(m)-se e permite(m)-se vida nesse cruzamento. Só num emaranhado de existências acontece Vida.

Desde criança que me inquieto acerca do que existe nas pessoas que passam anónimas nos meus dias. Na senhora da caixa do supermercado, no jovem no autocarro, nos viajantes dentro do avião que voa lá no alto.
Não conhecemos a pessoa para além da imagem do corpo. O que há dentro dos olhos, atrás de cada semblante? Desconhecemos.

Mas sempre que descobrimos as histórias dentro da imagem, aquela existência é então parte da vida, da nossa, ainda que uma só.

Tenho descoberto muitas histórias e muitas pessoas; (d)efeito profissional em espaços que se dão à partilha, quando o secreto de nós se quer libertar, quando os gritos já arranham a garganta para saltar cá para fora. Nem sempre sei o que dizer, nem sempre tenho respostas adequadas, nem sempre tenho novos caminhos a apresentar. Restam-me os olhos arregalados e os ouvidos atentos. E o coração aberto a essas existências que aumentam a vida que eu conheço.

Como agora, há pouquinho, ao ouvi-la na pequena epifania da sua vida só inteira quando misturada nas vidas nos outros, uma só afinal.
Enquanto os olhos brilhavam do que doía, o sorriso aberto e sincero confundia-me. Como se não se pudesse sorrir à dor. Mas pode-se. Assim ela até fica mais calma e retribui o sorriso em jeito de intervalo da agonia.
Falava-me de sofrimento, de clausuras da alma e do corpo, de distâncias, de vazios, de isolamento.
E aquele sorriso sempre aberto, sempre inteiro, sempre maior que a tristeza das palavras.
Contando já algumas semanas desde que a conheci, nunca adivinharia assim um cansaço de amarguras. Tal é a alegria constante, a voz firme e doce ao mesmo tempo, a energia e o entusiasmo. Afinal, pode-se sofrer a sorrir. Quem diria?

Incrível como um trabalho que paga tão pouco me enriquece tanto! 
Eu a colecionar tesouros.