O que é

que podemos fazer?, ela pergunta.
E pergunta como quem quer saber a resposta; não é uma pergunta retórica de quem vai dormir descansada porque afinal não há nada a fazer.
O que é que podemos fazer?
É uma pergunta de quem não deixa de dormir, mas acorda com esta preocupação.
O que é que podemos fazer?
É uma pergunta de quem não deixa de rir e dançar, mas trocaria tudo para seguir nesse caminho novo rumo a soluções.
O que é que podemos fazer?
É uma pergunta de quem não tem uma estratégia definida , mas seria a primeira a deixar tudo para tentar tudo.
O que é que podemos fazer?
É uma pergunta de quem fala baixinho, mas gritaria até ficar sem voz, chegasse a revolta para calar os tiros.
O que é que podemos fazer?
É a pergunta de quem não tem um plano, mas tem ideias; de quem não tem poder, mas tem vontade; de quem não acredita no sistema, mas confia no mundo.

É esta pergunta (ainda) sem resposta que ecoa como mantra pelos dias. E é existirem pessoas que não desistem de fazer esta pergunta que me faz olhar o mundo com os olhos vidrados pelo cliché da esperança.

O Mundo é possível!
Assim o queiramos. 

Igreja

Um professor da América Latina editou um dicionário com definições infantis recolhidas ao longo de anos junto dos seus alunos. É engraçado ler as diferentes palavras com significados construídos pelas crianças, que olham o mundo com uma clareza que todos perdemos ao crescer. Até nos podemos esforçar para manter essa essência da infância em nós, mas há uma espontaneidade que, inevitavelmente, perdemos, pelo menos em toda a sua autenticidade.

Neste dicionário, Igreja aparece com a seguinte definição:
"Onde a pessoa vai perdoar Deus."

Demorei-me nesta interpretação de serem os templos lugares onde o humano perdoa o divino.
E temos tanto para Te perdoar, Deus. Que é preciso que as Igrejas sejam grandes e confortáveis, possa a nossa dor ter aconchego.
Perdoar-Te o Holocausto e a escravatura, perdoar-Te o terrorismo e a descriminação, perdoar-Te as guerras e as mortes sangrentas, perdoar-Te a indiferença e a luta pelo poder.
Às vezes espero mesmo que não existas, porque não sei se Te conseguiria perdoar. 

Nenhuma Igreja é suficientemente grande.
Talvez o mais difícil de perdoar seja mesmo o facto de o humano ser tão pouco divino, de o humano ser tão pouco humano, de o humano se auto-destruir enquanto essência.

Nunca Te perdoarei não me fazeres mais forte, mais corajosa. Não Te perdoo não me teres feito mais astuta, mais contestatária, mais consciente. Não Te perdoo esse céu imenso e eu sem asas. Não Te perdoo.

Perdoas-me Tu?

Je suis Charlie



Eu sou o Charlie, porque aparentemente isso tem mais valor do que ser uma criança sem nome algures na Faixa de Gaza.
Eu sou o Charlie, porque a liberdade de imprensa é mais importante do que a liberdade religiosa.
Eu sou o Charlie, porque jornalistas apanhados desprevenidos no local de trabalho são mais importantes do que pessoas mortas numa explosão num mercado local.
Eu sou o Charlie, porque o pânico vivido nas escolas em Paris é mais grave do que o terror quotidiano que se vive na Síria.
Eu sou o Charlie, porque os jornalistas franceses são mais importantes que os jornalistas da Guiné-Bissau.
Eu sou o Charlie, porque a Paz é mais necessária em Paris do que na Nigéria.
Eu sou o Charlie, porque a morte de 12 jornalistas é mais importante do que o número mínimo de 30 mortos por dia na Síria, num total de cerca de 76 000 só no último ano.
Eu sou o Charlie, porque a destruição da redação de um jornal francês é pior do que as mais de 20 000 casas destruídas na última guerra em Gaza.

Eu sou o Charlie, porque repetidamente me esqueço que há mundo para além das fronteiras ocidentais.