Praia Azul

É noite e já o princípio de amanhã. Ainda falta dormir.

O dia foi de frio e nuvens, mas de sol a queimar os poros. 
Tem sido assim a última semana. Apesar das camadas que nos pesam no corpo, chegamos à hora do banho com a pele mais escura.  O sol não tem ofuscado o olhar, mas não deixa de soprar cor em nós. 
E é assim a descoberta de afetos com quem tem medo de amar: cara feia e sorriso escondido,  mas coração em gargalhada lá por dentro. 

É hora de dormir. 
Queria ser sol a brilhar inteiro, a aquecer e a bronzear. Queria uma vida de sol gigante no céu da Praia Azul. Em todas as praias. E em todos os lugares uma praia. Praias de todas as cores. Mas sempre o mesmo sol.

É hora de dormir. Não há sol no céu nem sentido nas palavras.
Talvez no sonho. 

Ubuntu

Eu sou porque tu és.















Eles são diferentes. São tão diferentes!  Diferentes países,  idades, profissões.  Diferentes ideias, diferentes tamanhos, diferentes pronúncias.
E é essa mesma diferença que os torna absoluta e profundamente iguais. Confundem-se na alegria confiante, nos olhos sonhadores e nas mãos agitadas à procura de acções para concretizar o outro, todos os outros, razões de cada dia que amanhece, de cada pedaço de ar que inspiramos. 
Levamo-nos uns aos outros em cada célula e é só quando nos reconhecemos como família gigante que o universo nos abre as portas à vida.
Não se distinguem misturados em multidão atenta às inspirações, porque são juntos. São humanidade enquanto nação e rasgam essas fronteiras artificiais em pontes de amor.
Eu sou porque tu és.

Encontraram-se lá no alto, com o mundo aos pés, a mostrar-se bonito em ondas de mar a beijar areia, a chamá-los para esse afeto guardado em cada um à espera de explodir na comunhão dos reencontros. Porque cada pessoa que conhecemos é, afinal, um reencontro. Eu sou porque tu és.

Aqueceram a areia da noite com o calor dos corpos contentes. Conversas cruzadas, dedos a dançar em cordas.
Lá em cima as estrelas, mas o céu sentou-se mesmo ali ao lado e cantou com eles.
"Ke ki mininu na tchora?" A Guiné aqui tão perto. Depois Cabo-Verde. E afinal era o todo o mundo que cada um carregava em si!
Eu sou porque tu és.

Há instantes que agregam despedidas e reencontros, saudades e novos amores. Segundos que são todos os calendários, pessoas que nos devolvem os que não estão cá, lugares que são todos os sítios que pisamos em entrega. E a sofreguidão de viver acalma-se cá dentro, porque bebemos o mundo e há sempre mais mundo para beber. Há sempre mais mundo para conhecer e partilhar. Só para descobrir, no fim, que o mundo esteve sempre dentro de nós.
A Academia Ubuntu é esse instante. A Academia Ubuntu são essas pessoas. A Academia Ubuntu são todos esses lugares.
Eu sou porque tu és.

E ela, perdida na sua inquietude infantil, encontra-se nesse novelo de gente. E o coração deixa de doer da angústia do caminho. E volta a acreditar que é possível. O Mundo é possível! Mas só assim faz sentido. Só assim.
Como quando queremos cantar a nossa música preferida mas, desafinados que somos, não ousamos soltar a nossa voz sozinha. Erga-se um coro de vozes e lá estaremos nós a cantar também. Juntos não desafinamos. Fica uma só voz, inteira de mundo.

Ubuntu. Eu sou porque tu és.