Ondas de vida

Um dia, saiu de Casa. 
Foi Lá e sentiu-se em casa. 

Regressou a casa. 
Mais ou menos.
Um regresso implica voltar ao mesmo lugar.
E nada, nunca mais, foi esse lugar.
A Casa de onde partiu recebeu-a sem paredes e sem chão. Janela inteira a lembrar o mundo. Portas abertas a novas viagens.
Voltou a sair de Casa rumo a um outro Lá que também era casa; e depois outro e outro.

Não sabe explicar, porque não percebe. Encontra-se, às vezes, na poesia que dá sentido a todos os longes; segura-se nessas palavras que dão beleza à dor que incomoda lá dentro. Quando dói bonito, parece que dói menos. 

É feliz nas ondas que embalam a vida. Segue nesse barco de palavras escritas e lidas; palavras que desenham caminho, caminhos que seguem as palavras.
Nenhum ano é igual ao outro. Novas pessoas e novos lugares. Coração a reinventar-se em si mesmo. Saudades e sempre esse longe a gritar. Ondas de efémeras proximidades.
E sempre as estrelas lá no alto. Sempre luzes bonitas em todas as viagens. 

Um céu a emoldurar novos trajetos... e o que ela anseia é mesmo um regresso, mas já não sabe o caminho. O que ela quer mesmo, é descer desse barco de poesias de mundo e ser inteira naquele lugar de onde já nem sabe que (se?) partiu.
Lançar a âncora, prendê-la bem fundo. Pisar terra firme, sem calendários a marcar a próxima partida. Sorrir, respirar e ir devagar. Ficar.

Das Línguas

Chovia de leve; constante e sem ameaçar parar, a chuva era a banda sonora que lembrava esse choro dorido de quem já gastou demasiada energia a sofrer.

O palco abrigado e eles para contarem uma história. Refugiados. Gente sem terra numa Terra que é de todos. E guerras. Guerras de ninguém. Guerras de todos!

A chuva continua a cair num ritmo que embala a história e envolve o palco. Refugiados. É teatro, mas antes que te expliquem, percebes que é real. Uma autenticidade assim não vai lá com ensaios!
Usaram palavras portuguesas, mas vestiram-nas de diferentes pronúncias desses lugares que deixaram de ser casa. E cada palavra era mais mundo.
Também disseram coisas que eu não entendi; outras línguas nas quais não fui capaz de reconhecer significados, mas bebi o sentido nas lágrimas que se misturaram na chuva.

E depois a identidade. A pertença. As roupas que vestimos nas personagens que são reais, em palcos que são vida a sério sem encenação.
De que língua é a tua identidade?

Mais do que uma língua para comunicar, precisamos do silêncio que olha no fundo dos olhos de qualquer pessoa e se encontra inteiro lá dentro.
Há algo em nós, seres humanos, que será sempre encontro sagrado. Somos uns nos outros. Somos uns pelos outros. E somos outros. Somos.