meus queridos avós















O meu avô não está cá. 
Não está em lado nenhum.
É literalmente nada.
Ou uma cinza tão reduzida de gente, que mais vale aceitar esse nada inimaginável de quem foi (e ainda é) tanto amor.
O meu avô não está cá e não está em lado nenhum.
Não gosto disso.
Eu sei que é assim, que tinha 91 anos, que teve uma vida de saúde e alegrias, mas não gosto. E não quero gostar. Não tenho que gostar.
Queremos tanto seguir em frente, aceitar as nossas dores e empurrá-las bem lá para o fundo, que quase não percebemos que, mesmo que não vejamos, continua lá, a pesar-nos nesta mochila algures na nossa alma.
E fica mais difícil ignorar quando já empurrámos outras dores lá para o fundo. 

O meu avô partiu.
E com ele partiram todos os avós que foram esse amor incondicional e inesgotável. 
Sempre que um(a) avô(ó) partia, sentia que me forçava a aceitar e redirecionava toda a ternura para os que continuavam por cá. 
E o Bu Quim levou com o amor de todos no final da sua vida, mas também me amou como se todos ainda morassem nele.
E agora ele já não está cá. E agora não está cá ninguém.
E eu quero tanto que estejam.

Hoje não quero ver o lado positivo. 
Hoje não quero dizer que os meus avós são eternos em mim (que são!). 
Hoje não quero dizer que continuam vivos em tudo que deixaram em nós (que continuam!). 
Hoje não quero dizer que ainda os oiço a pulsar em cada batida do meu coração de tanto que me amaram (e, oh… se amaram!).

Hoje quero só ficar triste. 
Quero só deixar doer esta pressão absurda de saudades. 
E não faz mal. Preciso de lembrá-los. 
Preciso de rever na minha cabeça esses dias em que eles eram corpo e olhos brilhantes, abraços do melhor aconchego, certeza, paz, porto seguro, âncora, asas para voar mais alto, mar sereno, tudo e tanto, assim mesmo misturado. 
E lembrar esta imensidão é coisa que não cabe no peito. Porque é um tamanho que não foi feito para ser guardado, mas vivido. Não cabe. E por isso dói. Porque aperta, contorce, estica e rasga. 
Mas é a única forma de tê-los aqui. Então que doa. 
Vale por todas as dores que curaram.

Tantas vezes desligo a memória para evitar a dor. Hoje não. Hoje não. 
Meus queridos avós.