Beleza Colateral

É das coisas mais poderosas, mais comoventes, mais enternecedoras: a beleza que emerge da tristeza. Não a anula, não a compensa, não a justifica. Mas está lá. E tem sempre uma luz que vale a pena deixar iluminar.

Colateral é algo que acontece em simultâneo, em paralelo. Normalmente associado a uma conotação negativa: quando se fala de "efeitos colaterais", geralmente estamos a referir-nos a consequências indesejadas ou não previstas de determinado acontecimento ou circunstância.
Mas beleza colateral é mais do que isto. É estar triste ou em sofrimento e ver esse estado momentaneamente interrompido por instantes de amor, de paz, de fôlego, de alegria.

Gosto sempre de me demorar nas belezas colaterais. Há algumas que não esqueço:
a minha mãe a cantar para a minha avó nos seus últimos dias de vida, a ternura do Glodi quando me viu a acordá-lo a meio da noite, a Duda atenta ao sofrimento do pai quando o avô Eduardo partiu. Tudo pedaços de momentos de tristeza e sofrimento; tudo pedaços da essência mais bonita e pura de amor, de ser humano, ser gente, ser pessoa mais do que corpo, e certeza dessa energia que nos habita (alma, espírito? eu sei lá. eu quero lá saber. a nossa essência. qualquer que ela seja).

Nestes dias de pandemia, medo, insegurança e angústia quanto ao futuro, procuro ancorar-me em pequenas belezas colaterais: a caixa de máscaras gentilmente partilhada no escritório, as palmas à varanda, o sentido de missão dos profissionais que não podem ficar em casa, a preocupação e o cuidado uns com os outros, os rasgos de humor, o tempo extra de mimo e aconchego que nos devolve o sentido de relação.

Para estes dias de recolhimento, fica o desafio: procurar e partilhar belezas colaterais.

E que nos cuidemos. Isolados, mas mais juntos que nunca.
(outra beleza colateral)

#belezacolateral