8 de Dezembro

8 de Dezembro. Um dos meus dias preferidos do ano! Dia de festa e dia de família.

Ontem ao final da tarde, parada no trânsito em direção a casa, demorei-me em viagens de memórias e saudades. Viagens sempre perigosas e turbulentas, sem cinto de seguraça nem semáforos. Aventuras para as quais saltamos num ímpeto irresistível, mas de onde nunca sabemos se voltamos mais leves pela metáfora do reencontro, ou em sofrimento pela irreversabilidade dessas ausências que gritam em nós.

Entrei no carro já a pegar no auricular para dar os Parabéns à Tia Laura. A voz do Tio Fernando do outro lado do telefone faz imaginar um miúdo de 20 anos; diz que o pessoal do telemarketing não acredita que tem 82. É fácil perceber porquê.
Passa-me à Tia Laura, que já não disfarça a idade na voz, mas mantém a ternura e o aconchego na música das suas palavras. 
Sinto-me sempre outra vez com 3 anos, a espreitar à janela do quarto dos tios, da qual os carros na autoestrada me pareciam miniaturas. 
"Tia, aqueles carros são mesmo assim tão pequeninos?" A tia respondia que sim e eu lá ficava fascinada a vê-los passar ao longe. 
Mais tarde, quando contava aos tios estas minhas viagens na sua janela, ninguém se lembrava de confirmar tal devaneio, mas é das primeiras memórias de algo que me encantasse. Depois aprendi que as coisas ao longe ficam mais pequenas e deixou de ser incrível. 
Despedi-me da tia com um "xi-coração". Queria dizer até amanhã.

Almoçávamos sempre juntos no dia 8 de Dezembro. Era o aniversário da minha avó. Sempre celebrado com o entusiasmo de uma criança. 
[Acho que herdei dela essa "infantilidade" perene. Por mais que os anos passassem, a cabeça amadurecesse, a pele enrugasse, permanecia o coração repleto de mimos e de sonhos.]
Um feriado disponível para ser aproveitado em pleno. Semanas antes já se começava a pensar onde iríamos almoçar e passear em família, e o dia acabava sempre em casa com lanchinho e petiscos. Casa cheia e a família reunida. Acho que não havia nada que ela gostasse mais!

Quanto eu tinha 8 anos, a barriga da tia Natália crescia de vida. Já de lá tinha saído o Celsinho 5 anos antes e esperávamos juntos a chegada do André. Miúdo esperto, escolheu também o 8 de Dezembro para nascer. 
E este dia bonito passou a ser partilhado em celebrações. Ao almoço com uma parte da família, à tarde com a outra (que afinal são uma só!). E dos mimos à avó Fernanda, seguíamos para brincar com o André que crescia em tamanho e amor. 
Hoje o André faz 25 anos e está a festejar com audácia de mundo dentro de si.
[Pobre miúdo, que pode ter 50 e para mim será sempre o meu primo bebé!]
A avó Fernanda já não faz anos, porque no céu o tempo celebra-se em Luz.

Saudades da minha avó. E saudades da Pequenina.
Saudades do meu avô quando ainda tinha a minha avó.
Saudades dos outros avós que partiram em sintonia.
Saudades do André com um metro de altura.
E de mim nestes tempos. Quando tudo era possível. Quando tudo iria ser possível. Quando nunca ninguém ia morrer nem crescer.
Que saudades!

Ainda nesta viagem parada no trânsito, passei dos 8 de Dezembro, para as tardes a crescer com o Celso no pátio da avó Mariazinha e do avô Fernando. Corri nos canteiros que ela nos pedia para não pisarmos, fiz barulho à porta do anexo do avô enquanto ele dormia a sesta, joguei à macaca até me cansar [definitivamente, o"desporto" no qual terei sido mais bem sucedida em toda a minha vida], rodei apoiada no pilar das cordas da roupa. E aquele sorriso enorme sempre a pairar. Hoje como há 20 anos.
Acho que é isto a eternidade.
(mas ainda não me habituei ao invisível)

Dizia a Sofia Cruz há uns anos: "Enquanto tiver memória, nunca mais vou estar sozinha."
E assim cheguei a casa ontem, com o meu Smart de 2 lugares cheio de gente, de barulho e de conversas, de amor e de vida. Abençoada pelas memórias e grata por tudo que ainda virá.


Hoje é dia 8 de Dezembro, Família.
Onde quer que cada um de nós esteja, estamos juntos.

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