Já as vemos crescerem nas árvores, meio envergonhas.
Espreitamos e alegramo-nos quando começam a tomar forma. As crianças já vão
arrancando uma ou outra, fingindo-lhes o sabor que ainda não têm. Mas nós,
crescidos que somos, e que sabemos esperar, ou que não queremos menos que o seu
sabor inteiro, aguardamos pacientes os dias que faltam, uma semana, duas.
Lembro-me do meu primeiro encontro com as mangas da
Guiné-Bissau. Fim de Março. E as mangas de casca verde. Doces e frescas como só
aqui. Gotas que caem pelos
cantos do lábio, as mãos cor-de-laranja do sumo que não conseguimos beber, o caroço
quase limado pelos dentes.
Lembro que depois veio o Golpe de Estado, trabalho parado,
eminência sabe-se lá de quê, que o tempo era espremido a considerar e analisar,
entre temer e confiar. E eram as mangas que nos forçavam intervalos das especulações, às quais voltavamos mais tarde, renovados, mais leves e confiantes.
Agora, enquanto lembramos, esperamos. Como quem sente já o
paladar que a memória nos põe à mesa.
E porque as coisas não são só coisas, mas o que lhes associamos, o que lhes sentimos, lembro ainda outras mangas. Não tão saborosas, talvez. Depende do tipo de sabor que falamos. Estas são mangas de casca vermelha que o avô compra para mimar a neta que não está
perto no resto do ano. Manga de casca vermelha que o avô apresenta, descascada
e cortada, no fim da refeição. E a acompanhar, o sorriso gigante de quem é mais
feliz a amar.
Sabem a carinho, estas mangas. Sabem a essa presença de Deus
que os avós representam no mundo. Sabem às histórias repetidas que ouvimos
sempre com a mesma atenção, quase antecipando as palavras, como quando ouvimos
a nossa música preferida. Sabem a essa ternura que só dos avós nasce, que só
neles vive, que só deles aprendemos.
E agora fiquei com vontade de comer essas mangas menos
saborosas, mas frescas de intenção e doces de companhia. Para essas ainda
faltam uns quatro meses. Mas até lá, no tempo que falta para abraçar o avô das
mangas e os avós dos bolinhos de bacalhau com feijão frade, está a crescer nas
árvores o fruto mais delicioso da Guiné-Bissau.
Nada na vida é apenas em si próprio. As mangas não são só as mangas. São a leveza que trazem aos dias, são o aconchego dos nossos. As coisas são esses significados que atribuímos, esses sentidos que experimentamos. Os lugares são o que fazemos neles. E as pessoas são o que é recebido no coração e partilhado a amar.
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