Sede

Sede de partir. Sede de voltar.
Acho que gosto tanto de água, ou de como ela me sacia, que me perco a inventar sedes. Como se a sede fosse um prazer em si própria, pela antecipação desse saciar, que rapidamente se transformará em novas sedes. 
E claro que não falo de uma garganta seca, mas de um caminho que se bebe em trajectos. De inquietudes que ora inspiram, ora atormentam; ora encantam, ora desorientam.
Desorientar. Tirar a orientação? Talvez seja mesmo isso o necessário. Colocar uma venda nos olhos, esquecer o mapa que decorámos, girar vezes sem conta, parar, e deixar que seja só o coração a escolher o caminho. O de sempre, um novo, ou simplesmente voltar ao princípio e começar tudo de novo. Simplesmente... Às vezes era bom ser mais simples. Deixar acontecer e confiar. Às vezes era bom deixar que a banalidade nos surpreendesse, que o mais vulgar dos acontecimentos fosse épico em nós. Mas é tão complicado ser simples!

Porque o nosso corpo precisa de água, inventam-se sedes.
Sede de encontros, de conversas, de palavras que ainda não têm letras. Sede de sons. Sede de silêncios. Sede de cores que ninguém viu e ninguém inventou. Sede de uma música que nunca ouvimos. Sede de um lugar que nunca visitámos e nem sabemos se existe. Sede de pessoas que ainda não nasceram. Sede de todos sóis que se hão-de erguer, de toda a chuva que há-de cair, de todo vento que será sopro no mundo. Sede de crescer e de ser pequenino. Sede de ficar, de construir, de ser, de pertencer.
E sede de ter sede, quando um dia acabarem todas as sedes.

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