"Hoje as pessoas são felizes

e não sabem."

Há umas semanas atrás, ainda de férias em Portugal, acompanhei a minha avó em visitas a amigas que ela já não via há anos. Acreditou ela serem os últimos momentos partilhados com aquelas pessoas, nesse fatalismo conformado que aparece a partir dos 80 anos.

A primeira visita foi a uma senhora de cerca de 87 anos de idade, Isabel, acamada depois de amputação de ambas as pernas, que nos recebeu com um sorriso doce, cheia de vida e com uma lucidez e  um discernimento que eu própria invejei. 
A conversa lá seguiu, eu espectadora, deliciada a ouvi-las lembrar os tempos, as pessoas e as histórias. Eram duas meninas. Da pele enrugada pelos anos, sobressaiam olhos brilhantes e contentes de meninas que se encontram na sublime cumplicidade da memória.
E falaram das suas pessoas e das suas saudades.
Pelo meio das histórias, os pormenores das condições de vida e das distâncias tão maiores de então, ilustravam dificuldades e carências. Estas, de há uns 60 anos atrás, lembravam-me as da Guiné-Bissau hoje em dia. 
Mas os relatos das privações apareciam sempre como acessórios na história. Não era isso o mais importante. A essência era mesmo as vivências e as partilhas, a forma como os obstáculos eram ultrapassados e o mundo continuava a avançar. 
Ainda assim, neste afastamento de décadas onde no presente elas próprias têm tanto de tudo, reconheciam nos constrangimentos de outrora alguma dureza dificilmente suportável actualmente. Nestes momentos, a D. Isabel terminava sempre a sua reflexão a dizer: Hoje as pessoas são felizes e não sabem. Mas dizia-o num misto de ternura e nostalgia, e não com aquele desdém que ouvimos às vezes. 

Hoje as pessoas são felizes e não sabem.
Fiquei a pensar nessa sabedoria extra de quem viveu tempos tão diferentes e nessa triste ignorância de não se saber feliz. 
Incomoda-me como nos perdemos em caprichos e como repetidamente inventamos novos desejos, sem nunca nos pararmos em instantes de gratidão. Incomoda-me sentir que eu própria nem sempre me lembro de agradecer, nem sempre me lembro da essência.
Saí dali contente por este incómodo em mim.

Às vezes, viajar no mundo faz-nos, de facto, perceber como somos felizes sem saber. 
Viajar no tempo também.

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