O luxo da saudade

Cerca de 5.000... É o número de quilómetros entre o aqui e o chão que me segurou durante quase dois anos e meio.
Esse pedaço de mundo hoje não está perto, mas está dentro. Está aqui dentro a doer e a incomodar, a acordar-me durante a noite e a distrair-me a meio do dia. Está aqui dentro a lembrar a simplicidade e a entrega, o cansaço inteiro de paz, a luz e as cores, a confiança, o entusiasmo, a leveza. 
E fica o meu coração cheio desse longe tão intenso, desses dias tão cheios de tempo e vida.

A saudade é isso mesmo: um longe que está dentro, um dentro que está longe

A saudade é um luxo. 
Seja um longe no mapa ou no calendário, poder guardá-lo connosco não tem preço, e se tivesse, seria um que ninguém poderia pagar.
A saudade é esse embrulho feio, esse papel rasgado, essa saca furada que guarda o tesouro mais bonito. A olhar assim de fora, é difícil, às vezes, acreditar que algo valioso brilhe naquele interior. Porque a dor nos distrai dessa beleza, porque queremos tanto que o longe esteja perto, que nos esquecemos que o temos dentro.
A saudade pesa-nos o coração das memórias, das pessoas, dos lugares, dos momentos, dos sentires... e nós nem sempre percebemos tudo o que ela guarda. Porque, na verdade, é a eternidade que grita nessa nostalgia.

Se alguém me perguntar hoje qual é a coisa mais preciosa que tenho, responderei, sem hesitar: as saudades.
As saudades que tenho da cor da terra, dos sons dos dias, dos momentos em que as frustrações eram ultrapassadas, das horas no corredor num tédio afinal tão divertido, dos djumbais no alpendre.
As saudades que sinto de falar mantenhas, de ver a Helena chegar de manhã, do Malaquias a caminhar devagar de olhos no chão, o Edu envergonhado e sempre sorridente.
As saudades das chuvas que bebi e das pessoas com quem as partilhei, das estrelas que vi caírem e das que nunca deixaram de iluminar.
As saudades delas nas noites de música dançada e nos dias das conversas intermináveis de sentidos.
E as saudades dele (meu Deus, tantas saudades dele...!). 

Que bom ter saudades! 
Que sorte viver o longe aqui dentro.
Que luxo...!


Ah, nha Guiné-Bissau...! N'disdjau maaaal!

3 comentários:

  1. As saudades poderão ser como pequenas gavetas...organizadas pelos sentimentos.
    Ficam todas bem guardadas e volta e meia a gaveta abre-se e está tudo lá! Para seguir em frente necessitamos delas como autenticos guarda-joias.
    Eu tenho algumas gavetas ainda bem guardadas. Beijo grande.

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  2. som para o que foi escrito: http://www.youtube.com/watch?v=fSSM1EuQTmY

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