Desapego

Não, este não é um texto sobre o desapego. Pelo menos não um que vá apresentar estratégias e caminhos. É, quanto muito, a história da minha relação apegada às pessoas, às coisas, aos lugares. Será, na sua essência, uma confissão envergonhada desse desapego que não sei aprender.

E se hoje escrevo sobre isto, nem é porque me depare com alguma situação específica. É mesmo porque tenho vindo a tomar consciência do quanto esta limitação me constrange a uma liberdade plena. E porque esta imagem abaixo, de um simples balão que foi solto, me provoca uma ligeira angústia, comprovando quão incapaz sou nesta área. Também, talvez, por uma breve conversa ontem acerca do "deixar ir" e de me ouvir a não dizer nada que ajudasse, tão cúmplice me sinto dessa dor de correntes - invisíveis mas fortes - que nos prendem, a isto ou àquilo.

Não sei deixar partir pessoas e tenho com a morte uma relação quase infantil. Tiremos o quase.
Essa coisa de uma ausência irreversível parecer-me-á sempre contra tudo o que pode caber no meu curto entendimento de lógica. Não faz sentido. A eternidade que as pessoas deixam em nós pede-me sempre vozes, toques e olhares. Não consigo aprender a vida sem a banalidade dos encontros e das presenças que tomamos como garantidas. E não adianta explorar mais.
 
Depois os lugares. Não sei estar em sítio nenhum sem desenvolver sentimento de pertença, sem tornar meus os cantos e as esquinas, a terra que piso ou o chão onde escorrego, as avenidas largas ou estreitas, os móveis velhos que me habituei a usar, o cheiro do amanhecer e as cores do fim dos dias. E, ao mesmo tempo, por mais ridículo que pareça, desde a minha primeira viagem a Luanda, não soube, nunca mais, estar num sítio onde me sinto pertencer, sem que uma enorme parte de mim se sinta demasiado longe desse(s) outro(s) sítio(s) que também acredito fazer parte de mim.
Talvez seja um certo capricho de menina mimada, que se acha dona do mundo, que tem a mania que mora em todas as casas e que, em cada uma delas, deve haver uma cama para descansar os seus sonhos.
 
E é assim com tudo. Mesmo com os momentos mais simples. Até porque esses são, regra geral, os mais bonitos e mais puros, os mais verdadeiros e os mais profundos. Por isso escrevo diários, mantenho agendas. Porque não quero perder nem as lembranças do que vivi. E talvez porque, nesse lugar quase encantado que é a memória, tudo permanece nosso, perene e intocável.
 
Fico sem saber se o caminho é, então, aprender a viver assim, ou forçar-me a experimentar a liberdade pura do desprendimento, do abandono, da renúncia. Porque, na verdade, sempre que vivo essas experiências - quando, racionalmente, me forço a "deixar ir" - se o instante em que solto o balão não é o mais agradável e fixo o olhar até perdê-lo de vista lá no alto, depois há algo que me faz sentir mais inteira, mais capaz. Como se o mundo coubesse mesmo na palma da minha mão.

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