No colo da chuva

Eu sei que parece que não desperdiçamos uma oportunidade de correr debaixo da chuva. Mas não é bem assim. A maior parte das vezes, comportamo-nos como pessoas normais que se abrigam e resguardam. Mas esta coisa da normalidade precisa de intervalos, daqueles que permitem renovar energias e encantos.
Foi assim na primeira chuva de 2013. Eu, como a natureza por aqui, tinha já sede dessa água e recebi-a como quem acolhe nos braços uma saudade comprida. Depois, voltei aos abrigos e a contentar-me com o barulho da chuva a refrescar as noites e embalar os meus sonos.
Até, devo confessar, começava a ficar um pouco cansada desta época, não pela chuva em si, mas pelos bichos, bicharocos e bichinhos que ela traz. Hóspedes não convidados que nos invadem a casa com um à-vontade escandalizante e nos infernizam a vida no lar.

Hoje fiz as pazes com a chuva.
Começou um vento forte que se ouvia antes de ver e sentir, longe que ele vinha. Logo começaram as danças das árvores, a terra pelo ar, o som grave. Adivinhámos a tempestade e corremos para casa. Ainda demorou a começar a chover e eu e a Carmen sentámo-nos confortavelmente no alpendre extasiadas por aquele grito do céu, pela beleza da tormenta, pelo fresco que acalmava o calor do dia. 
E a chuva começa a cair como se o equilíbrio do ecossistema dependesse da sua intensidade, como se fosse o último dia para dar à terra toda a água guardada no céu. 
Foi quando, do ar sereno da Carmen, sai um sorriso de desafio, os olhos entusiasmados:
- Um banho de chuva??
Hesitei. Estava tão bem como espectadora, que me apetecia continuar ali confortável na plateia. Mas um desafio da Carmen não podia ficar sem resposta!
Enchemo-nos de coragem e corremos até a chuva deixar de ser fria em nós e passar apenas a esse aconchego bom que reconforta e dá paz. E depois foi o ritual espontâneo destes momentos: os olhos que se erguem ao céu, os risos desajeitados, o andar à toa feliz sem saber de onde vem essa alegria... Corremos até à zona onde se vê Bafatá a descer para o rio, mas mesmo aí vimos só nuvens e mais chuva a cair ao longe. Voltámos para casa. No caminho, alguém que, abrigado, tentava perceber o que estávamos nós a fazer e outro alguém, também protegido da chuva, com perguntas banais de corredor de um qualquer edifício, fingindo ignorar a água que escorria no nosso corpo.

E é, mais uma vez, deste tédio dos tempos sem tempo em Bafatá, que nascem encontros perfeitos com o mundo e connosco próprios, e nos rendemos à simplicidade da vida e dos tesouros que verdadeiramente nos enriquecem.
Hoje fiz as pazes com a chuva. E no colo dela embalei o meu coração que não pára de cantar saudades e contar dias. Daqui a nada estou em casa. E por hoje a chuva ajudou a lembrar que aqui também estou em família.





Sem comentários:

Enviar um comentário