Bissau

é uma cidade que nos surpreende sempre, que todos os dias tem coisas para nos ensinar. Bissau é uma cidade que nos torna mais fortes. Que nos cansa pelo lixo e pela confusão. Que nos choca. Que nos irrita. Que nos enche de luz nos sorrisos que gritam alegria. É assim uma cidade de misturas, que confunde e encanta pelos segredos que esconde. Pela solidariedade que comove porque surge despretensiosa, sem vaidade, num ajudar e cuidar como quem protege os filhos em casa. Bissau é como o pai pouco carinhoso e rabugento, que ama no silêncio do coração, calado pela vida dura e cansada.
Aqui nunca passarás perto de alguém que esteja a comer sem que sejas convidado a partilhar da sua comida. Não porque seja particularmente simpático, não obrigatoriamente por gostar muito de ti, mas porque é assim que se faz. Oferece-se o que se tem. E insiste-se. "Bim cumi!'
Aqui, nunca terás sequer que pedir ajuda para empurrar o carro que ficou sem bateria, para trocar o pneu furado, para desatolar a pickup enterrada na lama.
E exemplos assim há muitos, todos os dias, em gente que ama distraída, sem saber. No condutor que, no meio do trânsito caótico, estica o braço pela janela para corrigir a porta mal fechada do carro na faixa ao lado, sem olhar para o outro condutor, sem esperar ouvir "Obrigado!"; no homem que se aproxima e nos manda fechar a carteira esquecida aberta.
Sabem aquela sensação boa quando ajudamos alguém que não conhecemos num qualquer contexto dos nossos dias? A pessoa que agradece surpresa pelo nosso gesto, nós que seguimos orgulhosos de nós próprios. Aqui isso não acontece; ajuda-se porque, simplesmente, é assim que se faz. Ninguém fica muito orgulhoso, ninguém agradece muito. 

Foi ainda agora, agorinha, há minutos... Vinha com a Rita numa rua vazia do centro da cidade, plena luz do dia, um senhor estranho que nos aborda, a insistir nem percebemos bem no quê, e um táxi que se aproxima rápido, a buzinar; encosta no passeio, manda o senhor embora, diz-nos para entrar no táxi e deixa-nos 200 metros à frente, livres de um qualquer perigo que não tivemos sequer tempo de identificar ao certo. O taxista não quer aceitar que paguemos, não se preocupa em explicar muito, não tem ar de quem acabou de fazer uma grande acção, não espera elogios. Continua o seu caminho com a naturalidade de quem cresceu a cuidar e a ser cuidado sem saber que cuidava e era cuidado. Aqui o amor não se fala, não se diz. Não se adorna de sorrisos e miminhos. Apenas é. Assim. Simples. 

4 comentários:

  1. O pouco que conheci dessa bela cidade deixou me saudades,quero voltar, quero conhecer mais....

    Quero vive-la, senti-la e abraça-la....

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    1. Bruno, "bela cidade" é capaz de ser exagero... Mas "o essencial é invisível aos olhos" :)
      Volta! Nós, Bissau, a tua (s)Carmen e toda a Guiné esperam-te!

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  2. Que aventura viver na Guiné-Bissau. E que ato de fé, para quem lá está, para quem lá mora... Houvera mais gente assim, e o mundo seria um lugar melhor. Bem hajam a todos os que são capazes de abdicar do conforto do sofá, do fresquinho do ar condicionado, e arrancam sorrisos a quem está rabugento e cansado, mas ama em silêncio, calado pela vida dura e cansada.
    O meu sorriso está em Bissau, mas trago sempre uma réstea comigo caso encontre alguém como tu. Abraço Momi!

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    1. :)
      Susana, e quando voltas tu à "terra sabi"?
      Quando voltas a sorrir por aqui, a deslumbrar-te com as gentes e os lugares, assustada com os bichinhos mas com missangas para distrair?
      Um grande beijinho*

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