É uma sensação estranha. Deixar de dizer. Ler nos olhos do outro as palavras que cala. E sentir nele uma calma imposta por uma resignação forçada, por um cansaço repetido e gasto, porque não "vale a pena" e há uma família para sustentar e um dia-a-dia para gerir o pouco, sempre demasiado perto de fronteiras com o nada.
Quando me perguntam como vão as coisas por aqui, digo que está tudo tranquilo. Depois de meses em que um simples grupo de jovens a correr na rua nos fazia saltar o coração, em que os militares na estrada nos faziam baixar a cabeça e obedecer a ordens ridículas pelo peso da arma comprida pendurada no ombro... Contentamo-nos com a tranquilidade, mesmo que isso não traga nada de bom à vida das pessoas e ao desenvolvimento do país.
Já não há grupos de militares a pararem-nos no caminho entre e Bafatá e Bissau umas quatro vezes. Mas o que mudou mesmo foi a nossa postura. Desistimos de actualizar os blogs do costume várias vezes ao dia e abolimos das conversas as horas intermináveis de análises e especulação. Não o fizemos por leviandade, mas porque percebemos que isso não nos acrescentava nada de bom. Aos poucos, (re)centrando o nosso olhar e o nosso esforço no trabalho que nos trouxe aqui, nas pessoas que nos dão sentido aos dias, dedicamo-nos ao que realmente podemos fazer, pouco que seja, sempre maior que o vazio das contestações em círculo que não sabemos transformar em algo útil e produtivo.
Nestes últimos dias, em sessões de formação em que discutíamos o sistema de ensino na Guiné-Bissau e os principais constrangimentos que o fragilizam, a conversa caiu inevitavelmente nos problemas de sempre, que os formandos evocavam em meias palavras, em quase-frases, prolongadas apenas com a extensão que lembra que "não podemos dizer tudo", "isto é melhor não dizer em público", acompanhadas de expressões de frustração já perdida de sentido e caminhos.
Mas quando a revolta é maior do que o medo, e as coisas se dizem, parece que querem rapidamente voltar ao silêncio. O alivio de quem desabafou e gritou perde a batalha com a tristeza do confronto com a realidade nua, sem as roupas meio esfarrapadas que lhe vestimos para tapar o que nos choca. Porque dizer as coisas que todos sabem escondido em si, torna real o que fingimos ignorar, desmascara a paz em que nos "ingenuizamos" para acreditar.
Então fazemos um intervalo - metafórico e literal ao mesmo tempo - e regressamos ao investimento no possível e a saborear a tranquilidade que se vive, independentemente do que ela esconde.
Porque quando não há paz verdadeira, até uma de faz-de-conta nos serve.
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