Faça chuva ou faça sol.

Quantas vezes já dissemos que íamos fazer isto ou aquilo faça chuva ou faça sol?
 
Lembrei-me disto a propósito dos relatos diários que me chegam de Portugal acerca das chuvas constantes, do frio que não passa, de uma Primavera que não brilha na luz do sol.
Para mim fica difícil de imaginar, nesta Guiné-Bissau onde em Março e Abril os dias namoram os 40 graus e não chove há meses.
Mas fico a pensar que isto tem que trazer alguma coisa de bom. O optimismo pode ser quase uma obsessão... e para quem está a aturar a chuva há tanto tempo, pode não ser um exercício espontâneo. Mas não resisto a pensar em como o sol será celebrado quando decidir brilhar com força. É aquela coisa deliciosa de saborear algo que esperamos muito tempo.
Hoje a minha irmã falava-me sobre uns instantes em que o sol brilhou um dia destes e a alegria dela, emocionada, como se fosse algo mesmo especial. E é. Nós é que nos esquecemos. Não há nada tão especial quanto a bola de fogo lá no alto que nos ilumina e aquece. A não ser, talvez, a água que cai do céu; mas desta andam vocês cansados, bem sei.

A verdade é que estamos, cada vez mais, habituados a ter tudo o que queremos, o que nos apetece; e depois vem uma crise económica que nos obriga a racionar tudo, a dar novos passos a caminho de um essencial que precisamos (re)descobrir. Deixamos que as coisas fundamentais se tornassem banais e precisamos educar a nossa gratidão.
As histórias cada vez mais comuns de quem, tão perto de nós (se não mesmo nós) de repente se vê com tão pouco fazem-nos estar mais atentos às necessidades dos outros, pois esses outros são cada vez mais parecidos connosco próprios e não apenas imagens comoventes que nos chegam pela televisão.
E depois a chuva. Que chove. Pode a chuva fazer outra coisa que não chover? Não. A chuva chove. Muito ou pouco, é o que ela faz.
Mas nós não somos chuva. Eu e tu. Vocês. Nós. Não somos chuva que chove. Somos gente de possibilidades infinitas, debaixo da chuva ou debaixo do sol. Então sejamos o que somos. Como a chuva que chove. Sejamos ideias e acções, sejamos partilhas e cumplicidades, sejamos escuta e atenção. Sejamos grito e canto, silêncio e tranquilidade, alegria e paz. Sejamos olhos de entusiasmo, lábios de sorrisos. Inventemos novas janelas e desenhemos um sol que brilha nos nossos olhos. Sejamos nós uma luz nova para iluminar e aquecer.

Faça chuva ou faça sol... Essa expressão que usamos para coisas realmente importantes, para aquilo que decidimos fazer independentemente das circunstâncias.
Acho que é mesmo isso que a crise e a chuva nos podem ensinar: o que é realmente importante, sejam quais forem as circunstâncias.
 
E vejam, a chuva faz os seus estragos, é certo, mas pode juntar pessoas. Que tal aproveitar a chuva que cai para, num abrigo, reunir amigos, juntar a família, pôr as leituras em dia? Não há nada como mergulhar num bom livro, deixar acontecer uma conversa daquelas onde as palavras dançam ou um convívio divertido onde o riso faz doer a barriga, para que seja primavera dentro de nós, para que lembremos o sol vivo e quente, lá atrás dessas nuvens.
Façam colecções de arco-íris, do barulho da chuva na janela, eu sei lá...
 
São tempos de sermos nós. Cada vez mais. São tempos de ser.
São tempos de partilha, de criatividade.
São tempos de aprender o que sempre esteve dentro de nós: a alegria, a paz, o amor, a gratidão. E de perceber que esse "dentro de nós" só faz mesmo sentido no plural. Como a peça de puzzle inútil que ajuda a construir algo grande quando se junta aos seus semelhantes, e é nesse encaixe que se realiza, que se concretiza. Faça chuva ou faça sol.


 

Sem comentários:

Enviar um comentário