Na chuva que não caiu


"Aqui, realmente, somos felizes com pouco... De tudo fazemos festa!"

Era hora de almoço. Barriga cheia, mas a alma a precisar de mais. Talvez de aconchego, de casa, de família, de distração. E como nada está aqui, é necessário criar. Porque há alturas em que é preciso encher o tempo. Dias assim, em que nos pesa mais a saudade, as ausências. Então corremos a inventar alegrias, a sonhar encontros. E a lembrar, na verdade, porque somos felizes aqui.

- Preciso de um café expresso!, disse alguém.
Outra coisa que, em Bafatá, só inventando...
E entramos as três no carro para regressar ao escritório,  embora ainda nos sobrasse uma hora até voltarmos ao trabalho. A acompanhar, o céu escuro de nuvens acalmava o calor que continuava a suar em nós.

- Ai... Vamos passear! Vamos a algum lado!, disse outro alguém.
Pois "algum lado" também teria que ser inventado por aqui...
De repente, lembramo-nos do rio... Vamos ao rio!, gritámos.
E, quase em uníssono, responde-nos o vento forte que anuncia a chuva. A poeira começa a voar e as árvores a dançar em compassos soprados perto do céu.
- É mesmo isto que precisamos, um banho de chuva na ponte nova!

Seguimos num entusiasmo pleno de alegria, os saltos na estrada de terra batida, os meninos a acenarem no caminho. Nós contentes. Contentes de vida! Contentes pela chuva que ia cair mas não nos tinha ainda nem molhado. Contentes como se, por magia, tivéssemos bebido esse café expresso na companhia dos que estão longe e nos faltam.
Chegamos à ponte nova com o vento cada vez mais forte e corremos para olhar o rio, as nuvens carregadas que sentíamos já acolher em nós. Riamos plenas daquele sentir que não se explica, porque se sente mais profundo que as palavras, mais simples que qualquer verbo ou adjectivo, essa alegria inteira de comunhão com o mundo.
A paisagem enchia-nos o olhar naqueles que acreditávamos serem os últimos instantes ainda sem chuva. 
Caem então as primeiras gotas, mas a chuva não se demora em nós. O vento continua a correr e empurra as nuvens até quase limpar o céu.
E não houve chuva nem banho, mas nesta espera molhou-nos a energia e a paz, e voltámos, renovadas, para mais uma tarde de trabalho.

Foi já ao final do dia que a nossa Angie, ao rever as fotos dessa espera pela água que não caiu, concluiu, em espelho dos sorrisos gravados:
"Aqui, realmente, somos felizes com pouco... De tudo fazemos festa!"


Às vezes, o pouco é quase nada. Mas, a maior parte das vezes, o pouco é quase tudo.









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