Desassossego

Viver. Viver encanta. Viver assusta.
Porque viver (viver mesmo! não o simples estar vivo) é esse desassossego intermitente. Essa estrada esburacada que aprendemos a amar. Decoramos os buracos e desviamo-nos com agilidade, mas haverá sempre um novo a surpreender-nos. 
A vida é essa corrida de obstáculos, esse todo-terreno em que somos veículos extremamente bem equipados, ainda que não dominemos toda a tecnologia, porque frequentemente escolhemos os caminhos mais fáceis, mais seguros. E demoramo-nos a olhar mapas, seguindo pelos rumos mais directos, menos complicados. 
A verdade é que, muitas vezes, as coisas mais bonitas são as de mais difícil acesso. Como o caminho para a praia de Varela ou a estrada para o Parque de Cantanhez, na Guiné-Bissau. Às vezes, a meio da viagem, ficamos a pensar se valem a pena tantos saltos, se não tinha sido melhor ir a um sítio mais acessível. E é só chegar lá para se esquecerem rapidamente as dificuldades do trajecto. Mas depois é preciso voltar, viver tudo de novo.

E como me disse hoje alguém, sábio gigante nas suas dúvidas mais ricas que todas as certezas: "Tomei duas decisões: vou amar e vou sofrer." Aceitando o segundo pela inevitabilidade do primeiro. Aceitando o sofrimento pelo inteiro do sentir e ser, pela plenitude que é irrecusável, pelo inadequado da autenticidade e do instinto que inventam errados que incomodam a nossa verdade no outro.
E aceita-se assim a estrada inacreditavelmente esburacada para chegar à praia de Varela. É que vale mesmo a pena!

Estes dias dou por mim a pensar neste meu culto exagerado pela serenidade.
Tenho percebido que o tal sossego bom de sentir pode ser viciante: porque em vez de nos libertar, escraviza-nos dessa segurança e limita as nossas ousadias.
Porque, na vida, é preciso aceitar perder a paz para ganhar intensidade. É preciso aprender esses sobressaltos bons que lembram que os dias não são todos iguais, que a vida não é só o que planeamos (quase nunca é!). É aceitar perder essa serenidade que demoramos tanto a construir, é abdicar desse equilíbrio de que tanto nos orgulhamos.
Viver. Viveeeeer!


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