Lembra-te.

Não podes ir embora sem te lembrares. Não podes ir embora sem reveres e guardares.
Lembra-te.
E lembra-te enquanto estás aqui, nos dias que te sobram repletos de tanto, perto ainda das memórias a gravar.
Lembra-te.

Lembra-te de quando aterraste em Bissau pela primeira vez. Do ar húmido a colar no corpo, a dificuldade em respirar. Lembra-te da sede, essa saciada e sempre repetida. 
E lembra-te de te sentires em casa desde o primeiro instante; o longe a doer, o coração a pousar.

Lembra-te de cumprimentares as pessoas na rua, lembra-te de quereres saber os nomes. 
Lembra-te das pequenas coisas e da tua capacidade de vivê-las em plenitude. 
Lembra-te de procurares soluções para os problemas e de todos eles tirares um ensinamento.

Lembra-te dos banhos-de-chuva, da água completa em ti, do fresco a explodir, de risos molhados e partilhados com gente que rasga o teu coração.
Lembra-te de saltar para o rio Geba meio segundo depois de afirmares que nunca o farias.
Lembra-te das estrelas cadentes numa pickup debaixo do céu e das pessoas que estavam contigo nessa caixa aberta para o mundo.

Lembra-te de dançares como se se a tua vida dependesse disso, como se fosse a última noite.
Lembra-te de sempre ser para sempre e quereres sempre mais e, ainda assim, tudo te bastar.
Lembra-te de te sentires a crescer, sendo cada vez mais pequenina.

Lembra-te dos amigos que o serão para sempre, de como te acrescentam vida e beleza, de como aumentam o mundo que conheces e partilhas, de como são grandes no teu coração.
Lembra-te da coragem da entrega, de beijares sorrisos e experimentares o sagrado em intervalos de lucidez.

Lembra-te das cores, dos sons, dos cheiros. Fecha os olhos e vê, ouve, cheira. Sente.

Mas lembra-te também das frustrações repetidas e somadas, de quando parecia que não ias aguentar mais. Lembra-te da paciência esgotada. Lembra-te da lama e da poeira. Lembra-te dos mosquitos, dos grilos, das baratas, dos lagartos. Lembra-te dos militares, dos políticos de treta. 

Lembra-te do escuro e lembra-te das lanternas a iluminar.
Lembra a Guiné inteira em ti, no bom e no mau; e deixa-a ser esse todo que é teu, assim.
Chora. Deixa essa saudade ser recipiente que guarda tudo isto. É essa a verdade.

E lembra-te de ti na Guiné. De quem eras quando chegaste, de quem és agora que partes.
Como te disse a tua alma irmã, "lembra-te de quem és no sítio para onde vais".
Lembra-te.

2 comentários:

  1. É vida que nunca se esquece! É a tua vida, as tuas vivências que te acompanharão neste percurso que traçamos todos os dias e assim se constroi um caminho vivenciado dia a dia e isso é VIDA, a tua! Xi-coraçõa. Mami

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Vida a acontecer, sempre. E a dor da despedida faz parte, não é? Vou lembrar tudo. Tudo. Vida :)
      xi-coração, mami*

      Eliminar