Ele tem no olhar a inquietude bonita de quem não se sabe inquieto. No
sorriso a serenidade ingénua de quem não sabe que a paz mora em si.
Sabes o que é um barco?
Acho que a pergunta foi feita meio à toa no meio da conversa. Claro que
eu sei o que é um barco. Mas talvez seja melhor confirmar. Há coisas que nos
parecem óbvias e não são, afinal, tão imediatas assim. Às vezes não sabemos
mesmo. E não queremos perguntar. Ou achamos que não faz sentido. Ou temos medo
da reposta.
Sabes o que é um barco?
Perguntas de respostas óbvias. Quando havia mais a perguntar, mas
parecia não ser necessário. Quando há tanto que, de facto, eu não sei.
Mas sim, sei o que é um barco.
E demoro-me agora nessa imagem de um
barco a rasgar o mar, debaixo do céu...
Ele tem um olhar de mar sereno. Ela gosta é de céu, voar, asas abertas
ao vento, o divino escondido no azul.
O mar e o céu conhecem-se no azul
partilhado. E tocam-se apenas nesse lugar roubado, o horizonte que vemos sem
existir. Mas
não se pertencem. E é preciso transformar o sentir, dar-lhe um novo sentido.
Como a pequena folhinha que nos pesa nas mãos: não conseguimos guardá-la; não
conseguimos deitá-la fora. É preciso transformá-la. Fica assim neste barquinho
de papel essa memória bonita de olhares de
eternidade simples e profunda.
E porque um barco no cais dá sempre vontade de navegar, vê-lo partir é
experimentar a saudade involuntária de quem sente mesmo quando finge não
sentir. Permitir que parta, mais de nós próprios do que qualquer lugar; vê-lo
perder-se nesse horizonte inventado, e mentir em nós um esquecimento forçado.
Porque afinal, foi só um instante de magia.
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