Poeira

Passamos a vida a arrumar, limpar e lavar. De manhã vestimos roupa lavada e limpa e é assim que ela chega a casa no final do dia. O contrário só acontece em episódios que fogem à nossa vontade: a nódoa que cai à hora de almoço, a poça de água que pisamos distraídos, algo contra o qual esbarramos...
E a paz de quem se suja despreocupado?
Isto podia ser uma campanha de marketing para um detergente, mas não. É publicidade à vida, à espontaneidade, à simplicidade. Esplendores tão fora de moda nos dias de hoje...
 
Depois desta última semana passada entre tabancas de cajus e mangas, o castanho dos pés trazia ainda poeira de longe. A roupa na mala vinha mais pesada do pó entranhado. As t-shirts mais claras chegaram docemente manchadas dos abraços de meninos sorridentes, de crianças repletas de energia boa de quem se sabe sujar e de barrigas cheias de manga que ainda sobra nas mãos lambuzadas.
Não me comecei a sujar assim à toa, não. Mas, de facto, era tanta poeira, que a dada altura me cansei de sacudir e ter cuidado e decidi deixar de me preocupar com o quão suja iria chegar ao final do dia. E é absolutamente incrível a paz plena que se sente da simplicidade que vivemos quando não estamos a pensar se nos vamos sujar ou não.
 
Às vezes é preciso fazer um intervalo das roupas limpas, e sentar na terra. E permitir que a terra se sente em nós. Resistir ao impulso de sacudir as calças a cada instante e deixar que vão ganhando nova cor, confiantes no simples processo da água e do sabão horas mais tarde.
Há já demasiadas coisas sérias e difíceis nos dias, para nos perdermos em preocupações com roupa suja, problemas que a água limpa sem esforço. De vez em quando, que tal sujarmo-nos?
Para um bom equilíbrio, temos sempre a velha máxima: "Nem sempre, nem nunca". Então, por favor, aí pelo meio, sentem-se no chão, encostem-se a uma árvore, pintem com as mãos. Sujem-se. Porque a poeira sai e vida fica.
 
De regresso, a abrir a mala de roupa suja, guardo só a memória entranhada das pessoas, do pó que a estrada levanta com os nossos passos, de sentar no chão na melhor companhia do mundo e rir já sem saber de quê, coração contente de vida.

5 comentários:

  1. Só tu mana linda! Senti uma pontinha de ciúme de não saber viver assim! Bjs gds e obrigada pelo que nos ensinas a cada dia!

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  2. Feliz tempo aquele em que não havia preocupações da sujidade da nossa roupa, em que brincávamos no chão, na terra, no jardim... mas bem me lembro da minha mãe reclamar, mesmo ligeiramente que devia ter mais cuidado. Há-de ser sempre assim pois quem cuida, tem mais trabalho, às vezes olha e...não havia necessidade...tanta terra, tanta relva, tantas bolinhas pretas nas chuteiras....mas acredita que é um reclamar feliz! A sujidade entranhada na tua roupa é absolutamente FELIZ, por isso avança, não te preocupes, a água lava tudo, bem quase tudo...

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    1. "reclamar feliz" é muito bom :)
      Às vezes é bom, mesmo já longe do tempo em que "não havia preocupações de sujidade", fazer um intervalozinho e sentar no chão... só de vez em quando ;)

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    2. (a minha mãe reclama tanto das "bolinhas pretas" nas chuteiras do meu irmão!!!)

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